sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

Ano judicial: jornalistas e a busca da verdade

No mais recente encontro público designado como abertura do ano judicial - como de resto é característico neste tipo de cerimónias - marcou afincada presença a narrativa pantomínica do poder politico pós-moderno, bem como alguns dos outros poderes que o envolvem.

Nos discursos dos vários responsáveis, foram abordadas diversas questões do direito português, a sua necessária reforma (não num sentido contra-legislativo, mas de mudança empírica), e a relevância de uma justiça operante e funcional para a saúde democrática da nossa sociedade. Ou, de resto, de qualquer sociedade pretensamente livre. Palavras presentes nomeadamente nos discursos de Noronha do Nascimento - presidente do supremo tribunal de justiça - denunciando a lógica governamental da destruição de direitos tão justamente conquistados pelo nosso povo e, por consequência, do nosso estado; também de sublinhar Marinho Pinto, bastonário dos advogados, que lembrou as nefastas consequências das reduções previstas de pessoal judiciário neste próximo ano.

Alguns destes protagonistas também afiguraram jogos de palavras e "indirectas", como a Ministra da Justiça (que levantou dúvidas no mínimo interessantes sobre processos de avaliação laboral, nomeadamente dos juízes), o Bastonário da Ordem dos Advogados ou o PR. Sugerindo que, infelizmente, algumas decisões tomadas em questões vitais do nosso país possam estar marcadas pelo crivo de querelas pessoais.

Mas o enfoque desta crónica não é a palavra política, assente em agendas mediáticas cautelosamente orientadas e construídas, que hoje marginaliza a discussão fundamental da prevalência da substância sobre a forma. Dedico-me essencialmente à posição, ou papel, que os media modernos - pelo menos os nacionais - decidiram tomar perante a actualidade política e a relevância das suas "liturgias".

Está sólido e enraizado o acordo tácito, não verbalizado, entre classe política e classe jornalística, desde a maior mediatização das campanhas (nomeadamente a partir da democratização da rádio); e o consequente processo de acompanhamento individual dos seus principais protagonistas. O jornalista submete-se, por vontade própria, a um certo acriticismo, uma postura cordial e concordante, assim conquistando alguma fé por parte de uma classe política encrustada - necessariamente conservadora -, que lhe permite o acesso a mais informação (embora estrategicamente doseada).

Algures neste processo, a classe jornalística - mais nomeadamente o pack journalism, que acompanha todos os eventos políticos mediáticos em directo - desistiu de questionar, de verdadeiramente questionar. Olvidou-se da importância de colher perspectivas, sejam elas directas ou dedutivas. A informação passou a chegar a conta-gotas, servindo principalmente agendas partidárias; e hoje, o exercício desta nobre profissão dedica-se quase exclusivamente à perpetuação de uma narrativa, construída pelos próprios políticos, sem que lhe seja acrescentada qualquer conflitualidade ou verdadeira dúvida. A objectiva do repórter foca-se nos acontecimentos (encontros de líderes, polémicas pessoais, declarações públicas e soundbytes) em detrimento de ideias, propostas, do teor das leis e reformas aprovadas.

Tomemos como exemplo a intervenção externa e a austeridade estabelecidas no nosso país, que actualmente ocupam boa parte da imprensa escrita e informação televisiva. A sua narrativa força-nos a aceitar condições que nos são impostas de fora, sob pena de, caso não as cumpramos, desabar todo o mundo (financeiro e mais qualquer coisa) sobre nós. A inevitabilidade e o medo. Os jornalistas questionam quem propõe: "as pessoas andam insatisfeitas. não teme tumultos?" e, a quem se opõe, "qual é então a alternativa? Não vivemos acima do que podíamos?". Nenhuma destas questões entronca no que é essencial à democracia e à busca da verdade, ou seja, a substância das mudanças.

Para os jornalistas parece importante, por exemplo, confrontar Pedro Passos Coelho com alegadas desavenças provenientes de Belém. E logo de Cavaco Silva, que esteve na origem
das últimas eleições e, consequentemente, deste governo; passando-lhe um cheque em branco para a austeridade. A memória é curta. E parece mais útil questionar Cavaco S. sobre o valor da sua pensão de reforma - que, diga-se, nem é sequer escandalosa -, em vez de procurar a sua opinião sobre pensões e salários médios dos portugueses. Dos desníveis de rendimento, que afundam os mais pobres perante ricos cada vez mais ricos. Ou ainda a falência de todo um sistema de apoios, que anuncia a breve trecho o fim da segurança social como a conhecemos.

Não deixa de ser um exercício interessante observar toda a polémica gerada em torno deste assunto, que atingiu os limites do verosímil quando, na última quarta-feira à noite a rtpi, estação pública de televisão, dedicou uma hora a escrutinar as desavenças Passos/Cavaco, para no fim concluir que tudo está bem e feliz. A presente situação é embaraçosa para o PR e força-o, das duas uma: a entrar em conflito directo com o governo (que, bem sabemos, Cavaco não fará), ou vir a terreiro assegurar as almas inquietas que, em Belém, tudo está calmo e cordato. Invoco também as inconvenientes críticas de Pedro Rosa Mendes na RDP1 ao regime tirano de Angola, e ao triste espectáculo televisivo na RTP - promovido por Miguel Relvas -, Prós e Contras: especial Angola. Está criado o clima para o unanimismo. Para o "quem não está connosco, está contra o país".

Será tudo isto mais relevante do que oportunamente apresentar os inúmeros factos económicos que nos indicam, com um elevado grau de certeza, que o caminho de recessão escolhido por este executivo é apenas uma rota mais prolongada para a ruína económica? Que o próprio PM
afirmou, na "longínqua" campanha de 2011, que o caminho da subida de impostos seria insustentável por razões de quebra de receita, hoje óbvias para todos? E o que resta perguntar à oposição, que partilha culpas por há décadas não atingir compromissos estáveis? Que tal indagar a esquerda sobre as dificuldades de sustentação deste modelo social num ocidente envelhecido?

Convém ainda aos jornalistas - regressando à cerimónia de abertura do ano judicial de 2012 - confrontar Paula Teixeira da Cruz sobre as acusações que lhe fez Marinho Pinto, ou vice-versa. Aqui assistimos à criação da narrativa de confrontação; a troca de acusações pessoais que torna a história mais sumarenta. Em vez de - num ano de profundos cortes - se questionar a ministra sobre: a) como pode uma justiça já em sofrimento sobreviver com a austeridade que lhe é
proposta pelo governo? b) entende que a austeridade deve ser aplicada sem olhar a meios, de uma forma cega, atingindo por igual as àreas que necessitam efectivamente de contenção (e existem-nas), e aquelas que estão deficitárias em recursos, como é o caso da justiça? Ou, por exemplo, perguntar a Marinho Pinto se os negócios dos grandes escritórios de advocacia, que lucram anualmente milhões com pareceres e estudos duvidosos, encomendados por sucessivos governos, não é escândalo de igual proporção aos que frequentemente anuncia? Ou que a ordem dos advogados, liderada pelo próprio, barra deliberadamente o acesso ao emprego dos jovens licenciados em direito, protegendo os actuais associados desta organização laboral?

Perante este paradigma, somos nós, cidadãos, os principais responsáveis pela alteração da perspectiva mediática que temos da realidade. Julgar de uma forma mais crítica, profunda e completa, não cedendo a simplismos narrativos. Mas a classe jornalística assumirá sempre um papel decisivo, conseguindo (ou não) desbravar caminho para que todos estejamos mais e melhor esclarecidos.

segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscars 2010

Tradicionalismos, politiquices ou vagas de fundo à parte, a beleza dos Óscares personifica-se justamente naquela indignação quase política que sentimos quando não são galardoados ou nomeados os filmes que consideraríamos como sendo “os melhores”. O queixume público é constante e surge quer antes, como durante ou depois da cerimónia. Temos sempre aqueles que retoricamente procuram desvalorizar o evento, relegando a sua importância a um mero rito fúnebre dos maneirismos ultrapassados de Hollywood, ou que insistem que os Óscares se devem abrir mais ao mundo, ao cinema independente, etc... Tudo isto pode até ser bem verdade, mas não podemos deixar de pensar que se esta festa (que é precisamente uma celebração da escola mainstream norte-americana – The Hurt Locker, tal como Milk são filmes de produção mainstream, embora as suas temáticas não o sejam tanto assim) é tão julgada, criticada e observada, ela acaba por redundar inevitavelmente no evento celebratório cinematográfico mais relevante no mundo.
Uma coisa será questionar os vencedores, manifestação mais que legítima em função dos gostos cinéfilos de cada qual, outra é presumir que o júri não decidirá conforme aqueles que julgam ser, para eles, os melhores. Aliás, as duas derradeiras cerimónias evidenciam uma corrente de pensamento focalizada na qualidade do filme, preterindo o fenómeno “estrondo” de bilheteira. É verdade que muitas vezes os Óscares não conseguem escapar às ditas “vagas de fundo”, que por uma ou outra razão surgem em certas categorias, em certos anos relativamente a certos filmes. Como em tudo, estes movimentos de opinião também têm as suas vantagens: o Óscar de Melhor Actor deste ano foi entregue a um artista cujo talento é reconhecido universalmente há praticamente quarenta anos, embora nunca tivesse sido devidamente apreciado pela academia. Para mais, este actor é um autêntico filho do Showbiz. Ele é Jeff Bridges. Provavelmente, se não tivesse surgido este ano o movimento a favor de “Crazy Heart” que, perdoem-me os fãs, é uma obra menor ao pé de tudo o que este actor já alcançou, J.B. nunca mais teria hipótese de vencer um Óscar não-honorário. E Bridges já foi injustiçado pelo menos três vezes no passado: por The Last Picture Show (1971 P. Bogdanovitch); The Fisher King (1991 T. Gilliam) e The Big Lebowski (1998 J. e E. Coen).
É por demais evidente que os Óscares já cometeram muitas injustiças, e continuarão certamente a cometê-las no futuro. Para citar apenas dois nomes, Stanley Kubrick e Orson Welles, nenhum destes verdadeiros génios conquistou uma estatueta. Porém, o seu nome como artistas e lendas incontornáveis da centenária história do cinema permanece na memória colectiva de quem o ama. A crítica e o público asseguram que assim seja. Mas não será um verdadeiro tributo a esta arte que um filme que, embora brilhantemente realizado, concebido e escrito como The Hurt Locker, que passou ao lado do público, da maioria da crítica e das redes de distribuição, seja reconhecido com seis prémios da Academia? Não nos devemos congratular por, mesmo apesar de Avatar ter recolhido todas as vagas de fundo e mais alguma o filme de Katheryn Bigelow ter sido reconhecido como o excelente filme que é?
Estes prémios, como quaisquer outros, são essencialmente uma escolha subjectiva. Poderia neste texto discorrer, por exemplo, sobre os inúmeros méritos de Quentin Tarantino, a sua minúcia e originalidade na forma como escolhe estórias e as apresenta ao espectador, e a grande injustiça que foi não ter visto, mais uma vez, o seu mérito reconhecido pela Academia de Hollywood. Poderia também afirmar que os talentos de Jason Reitman como realizador de Up In The Air lhe deveriam ter rendido umas quantas estatuetas, e tudo isto seria verdade. Mas não reconhecer um tributo aos Óscares que, uma vez por ano, conseguem congregar a comunidade cinéfila em todo o mundo, pô-la a discutir e a analisar tantos filmes de méritos tão distintos, a pensar as questões que se prendem com o futuro do cinema e da sua comercialidade em função da qualidade; relançar projectos e artistas de grande valor que pareciam já esquecidos, fazer as pessoas voltar às salas e redescobrir a beleza de um bom filme; não reconhecer este fenómeno seria a maior injustiça de todas.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Recordações da Casa Amarela

Passei recentemente algum tempo a re-explorar e relembrar Yellow House, segundo longa duração dos Grizzly Bear datada de 2006, prelúdio de Veckatimest. No seu ano de lançamento, este grupo ficou conhecido para a maioria dos melómanos como "os tipos que pegaram no Owner of a Lonely Heart dos Yes, e fizeram daquilo uma canção decente". Mas havia muito mais a explorar na casa amarela, sendo este um daqueles registos que nos vai enchendo o coração pouco a pouco de cada vez que o ouvimos.

Não se vislumbra completamente o grande salto melódico dado no álbum posterior, embora possamos já descortinar um grande talento para a composição e arranjos. Sobressai também a inventividade de cada trilho escolhido e a busca obsessiva da perfeição na melodia. Voltando aos arranjos, sempre muito inscritos nas raízes da música tradicional americana, temos cordas de toda a espécie (sobretudo banjos; violinos; a guitarra eléctrica, que desempenha papel principal; etc..), sopros (flauta), devaneios psicadélicos quando menos os esperamos e coros angelicais arrancados da memória musical destes rapazes. Alguns temas oscilam entre a mais serena canção folk à apoteose do rock sinfónico. É por isso fácil descortinar porque surge a merecida homenagem e consequente identificação com os supramencionados Yes; entre outras referências mais ou menos evidentes.

No cômputo geral, Yellow House fica-nos na memória como um excelente disco, sobejamente variado, inventivo e completo. Como em muitas bandas que estão em fase inicial da carreira (YH foi apenas o segundo LP da banda), conseguimos palpar em cada som, ou ritmo, o desejo aberto de abraçar todos os géneros e lugares da música moderna, o que garante ao ouvinte redescobri-los em cada nova audição. O curioso registo cria uma sensação metamórfica, embora sejam os tempos e as sonoridades que mudam enquanto Yellow House permanece actual aos nossos ouvidos. Um método de descoberta sónica que em certos maneirismos bem podia pertencer ao longínquo ano de 1968. Observando Yellow House sob as luzes espectrais de Veckatimest, este funciona como um excelente "lado B" (sem qualquer sentido pejorativo no uso do termo), e até como exercício antológico, provando que eram já nesta fase megalómanos muito generosos. Isto transmite ainda mais esperança e expectativa relativamente ao que aí vem.

O que esperam os fãs de Grizzly Bear é, sobretudo, que o colectivo continue a ser o que demonstrou ser neste álbum: embora excelentes compositores, cantores, génios criadores ou perfeccionistas românticos são, antes de tudo mais, amantes da música.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Benfiquismos...

Ultimamente, algumas ocorrências têm incomodado profundamente o âmago do futebol em Portugal. E faço já a minha declaração de interesse para evitar equívocos: sou benfiquista. 

A forma como o SL Benfica tem sido desqualificado por tantos opinion-makers (um pouco como na política, são cada vez mais soundbyte-makers) em função dos seus jogos de bastidores - quando na verdade o futebol exibido pela sua equipa é esplendoroso, e seguramente o melhor em muitos anos - é no mínimo curiosa.

Não deixa de ser irónico que o primeiro a apontar o dedo seja o FC Porto, que tem tentado (e conseguido) dominar os órgãos decisores do futebol profissional nos últimos 30 anos. Segue-se o Sporting CP, que bem sabemos não exercer pressões fora do campo por nunca ter adquirido suficiente poder de influência para esse efeito. Não venham agora com a fábula moralista do clube que não se mete em confusões de disputa do poder porque é puro no espírito, incorruptível e coitadinho. Sabemos bem que muitos sportinguistas não se importariam de relegar o Benfica à segunda divisão por decreto, tal é o seu ódio pelo rival lisboeta. Finalmente, resta da tríade de acusadores impolutos o Sporting de Braga que, ainda assim, terá alguma razão de queixa. Mas não significa isto que se deva queixar constantemente. Podemos facilmente constatar pela posição do Braga no campeonato que não têm sido tão prejudicados como afirmam. Quando, na primeira metade da competição, gozou do estatuto "revelação", e foi por isso mais que favorecido pelas arbitragens, o Braga falou muito pouco. Considero inequivocamente exagerado o castigo a Vandinho (3 meses de suspensão).
Mas serei eu o único a entender que uma agressão (ou tentativa de) fora das 4 linhas é sempre mais grave que uma ocorrência semelhante mas durante a partida? Que um jogador perca a cabeça em campo, quando está no pico da adrenalina e ebulição na disputa do jogo, é normal (embora deva ser sancionado). Agora fora do campo, já terminado o jogo, não tem desculpa. É claro que em função disso já outros jogadores ou dirigentes do Benfica poderiam ou deveriam ter sido castigados pelas ocorrências testemunhadas nos túneis.

Vamos então aos túneis: podemos discutir o papel dos stewards, ou a sua injustificada presença nestes túneis de acesso ao relvado. Podemos até afirmar que é intencional a estratégia do Benfica para condicionar ou provocar os atletas do Porto, no intuito que estes se sintam mais nervosos e que consequentemente produzam menos em campo. Daí a inferir que tudo terá sido pré-planeado de forma a armar uma cilada, com o objectivo de fazer com que alguns jogadores do FCP não voltassem a jogar esta época, isso parece-me francamente rebuscado. Até porque esta suposta conspiração implicaria um contacto prévio com a Liga de Futebol Profissional - cujo presidente é, recordo, Hermínio Loureiro - para se entenderem quanto à possibilidade destas situações de confronto físico entre jogadores e Stewards resultarem em castigos para os jogadores do Porto. Não iria o Benfica correr o risco de planear antecipadamente uma situação destas, para que depois não se imputasse qualquer responsabilidade sob os atletas seus adversários. Mas esta, por mais disparatada que seja, é uma acusação gravíssima. Se há castigos relativos aos túneis que não foram devidamente aplicados ao Benfica, eles não se devem a um "jeito" ou "favor", mas à incapacidade da Liga de Clubes em mediar todo este conflito, ficando-se pelas punições aos atletas transgressores (bem aplicadas) e ignorando a importância de uma "estratégia do túnel". Isto não poderá nunca ser imputado aos responsáveis do SL Benfica ou aos seus funcionários. 

O que transparece de tudo isto é que a Liga de Futebol tem este ano efectivamente favorecido mais o Benfica. Sim, isto é para mim inegável. Porque tem os melhores craques? É uma possibilidade. Porque o seu futebol é um dos mais esplendorosos que se joga actualmente na Europa? Talvez. Porque exerce a sua influência na Liga como Porto, Sporting e Braga tentam fazer (obviamente em proporções diferentes)? Provável. Será isso tão diferente assim de uma direcção da Liga composta maioritariamente por sócios do FCP durante anos a fio? Não me parece. É certamente diferente do presidente de um clube que discute "fruta" ao telefone com um dos antecessores de Vitor Pereira na presidência da comissão de arbitragem. 

É razoável para mim a percepção pública generalizada que Luís Filipe Vieira não está acima de qualquer suspeita, e que não será certamente o indivíduo mais "limpo" a atravessar a história do futebol profissional neste país. Muito pelo contrário. Mas o sr. Presidente 

Vieira é o que sempre foi, tal como o Sr. Presidente Pinto da Costa o é também. Se querem acusar o benfica de um conspiração com a Liga de Clubes, e de um arranjo premeditado para oferecer este campeonato ao Benfica, arranjem provas. Para que depois possamos (quiçá) ser ilibados por falta das mesmas. Se preferem acusar a Liga de ser "fraca" e ceder facilmente às pressões do Benfica eu questiono, que direcção passada da Liga não foi assim? 

Bem sabemos que em Portugal os clubes grandes são incontornáveis em todas as decisões importantes. Não sejamos ingénuos: os grandes europeus, como o Real Madrid, o Arsenal, o Man Utd ou o Inter movem-se da mesma forma - criam redes de influência no intuito de afectar as decisões ao mais alto grau. O comportamento e conduta que se espera de um presidente de um clube não será, certamente, mais exigente que aquele que se pede ao Primeiro-Ministro do mesmo país. E no estado em que está a nossa política, quem vai atirar a primeira pedra?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Aussie Open: as Finais

Grande. Este é o adjectivo que ecoa entre os muitos que choram o fim de mais uma edição do Open da Austrália.
Nas finais tivemos quase tudo aquilo que esperávamos e também um extra q.b. de surpresa: a grande regressada Henin contra a eterna nº 1 Serena Williams; e embora não se tenha repetido a final de 2009 entre Federer e Nadal que todos esperavam, houve um grande Federer - Murray que aqueceu os ânimos na Rod Laver Arena durante cerca de duas horas e 45 minutos, combate este discutido em três sets.
Williams sagrou-se campeã deste torneio pela quinta vez (parciais 6-4; 3-6 e 6-2), e Henin deixou um aviso para um futuro breve (nomeadamente o futuro da terra batida). Já Federer conquistou o quarto título na Austrália (6-3; 6-4;7-6 com tiebreak 13-11). Assistiu-se, em ambas as finais, a um grande ténis de todos os participantes e mesmo no duelo Murray-Federer, cujo resultado indica uma victória inquestionável, pudemos assistir a alguns momentos de ténis lendário, tanto por Roger como também da parte do jovem jogador escocês.
Parabéns Melbourne! Este Open regressou definitivamente ao sucesso comercial e desportivo de outros tempos.

fall be kind

Este é o nome do novo EP, marca Animal Collective. Cinco músicas de pura experimentação... pop.
Ao mesmo tempo que a banda de Avey Tare e Panda Bear procura revisitar o baú sonoro dos seus primeiros discos, como "Spirit..." ou "Sung Tongs", vislumbra-se uma evolução progressiva para a Pop nos seus mais recentes registos. Quando anunciaram ao mundo "Feels", a afirmação foi clara: "Estamos cá para ficar. E daqui a uns anos vemo-nos nos "tops"". Será esse muito provavelmente o próximo passo dos AC. Não num sentido fútil, de busca da fama e sucesso à custa da simplificação do processo de criação que neste caso é místico, complexo e delicadamente minucioso (leia-se "layered"). Esta banda é marcada simultaneamente pelas experiências musicais dos anos 60 e 70 - música criada sem barreiras ao espírito, em laivos de experimentalismo alimentado a químicos, pelos trilhos dos Blues, do Rock and Roll, Folk, Rythm and Blues/Soul... - e pelos míticos anos 80 e a plena cristalização da pop enquanto fenómeno e "receita".
Os AC têm, no fundo, o melhor dos dois mundos. Perdão, de todos os mundos. Este EP é um exemplo do que estes rapazes são capazes de fazer com um punhado de excelentes canções (que tanto podiam ter 3 minutos como 10) levadas até ao limite do sonho, da fantasia, sempre de mãos dadas à pop, em referências mais ou menos óbvias. Fall be Kind sucede a um disco de grande responsabilidade. Aquele onde os AC deram o salto: Merriweather Post Pavillion. E talvez por essa mesma responsabilidade acrescida, o formato intermédio EP tenha surgido como uma boa solução. Uma transição para algo ainda maior.
É uma tentativa bem sucedida de testar os limites da Pop perante a multitude de sons e instrumentos com que este colectivo trabalha. Não me refiro aqui aos outros elementos de referência e história musical da banda norte-americana, como as tendências psicadélicas ou o folk, porque entendo não serem essa a principal razão do brilho invulgar dos Animal Collective. É verdadeiramente a forma como tornam uma simples melodia (ex. What Would I Want? Sky) facilmente conversível em sucesso comercial instantâneo (se eles assim o desejassem), num despertar de seis minutos para o que é o todo da música contemporânea, o universo de referências que nos envolve e não desaparece facilmente. Dos Beach Boys a Human League, dos Beatles aos PetShop Boys, Aphex Twin, ou DJ Shadow.
Esta música (e a boa música no geral) é criada com memória e com o olhar no amanhã. E o que fazem hoje os AC fará definitivamente parte do amanhã da música em geral.

domingo, 31 de janeiro de 2010

Aussie Open

Assisti ontem a mais um jogo dos quartos-de-final do Open da Austrália entre Jo-Wilfried Tsonga e Novak Djokovic. Em teoria, seria um apoiante fervoroso do jovem tenista sérvio, já que muito aprecio o seu ténis pleno em técnica e o fantástico jogo defensivo de "nole". Surpresa foi então este encontro, em que o poderoso e muito instintivo francês (que recebeu o epíteto de "sósia de Cassius 
Clay") roubou o espectáculo a Djokovic. Tsonga venceu em cinco partidas (parciais 7-6 com 10-8 no tiebreak; 6-7 com 5-7 no tiebreak; 1-6; 6-3; 6-1). Com algumas flutuações na qualidade do seu jogo, é certo, ainda assim exibindo consistência ao longo das mais de quatro horas de encontro, invulgar situação tendo em conta a prestação de Jo-Wilfried nos úlitmos grandes torneios. Na meia final Tsonga defronta Federer, uma partida que se adivinha espectacular e disputada. Pelo "lag" proporcionado por ter de ver os jogos em diferido, comento esta semi-final já depois da final ter ocorrido.

Para além desta excepcional partida, o ponto alto da minha noite informativa terá sido a breve entrevista a Humberto Coelho, no programa de comentário desportivo "Pontapé de Saída", transmitido às 23 horas de Quinta-Feira na RTPN. O "mister" falou do seu tempo enquanto jogador, seleccionador de Portugal e ainda da sua experiência internacional, nomeadamente da recente participação na CAN, treinando a selecção tunisina.

Conan, Conan

O imbróglio que tem envolvido os vários Talk-Shows da NBC não tem passado despercebido à maioria das pessoas. Pois a mim muito menos. Leno saiu do Tonight Show, Conan veio para Los Angeles, Fallon tomou conta em Nova Iorque. NBC não gostou do programa novo de Leno; Leno quer voltar ao Tonight Show; NBC põe Conan entre a espada e a parede e pretende empurrar o histórico formato - inicialmente pensado para Johnny Carson há mais de 40 anos - para um horário excessivamente tardio. Conan recusa e, como tal, começam os verdadeiros problemas para a estação... Algumas semanas mais tarde, O'Brien está de malas feitas e vai deixar a NBC. E é a partir desse momento que se fazem algumas das melhores edições de todos os tempos do Tonight Show.
Sempre fui fã de Conan O'Brien. A sua irreverência, inteligência e acutilância. Mas sempre o achei também um narcisista obcecado com o culto da sua própria imagem (e continuo a achá-lo). Sempre entendi faltar-lhe algum veneno; as críticas pareciam demasiado veladas, o risco da ofensa desempenha um papel fundamental no interdito deste comediante. A importância de
agradar a um público maioritariamente conservador, "borderline" reaccionário, de valores cristãos e, mais importante ainda, americano. Conan nunca deixou de se preocupar quem ofendia e de que forma o fazia. Este aspecto sempre me fez pensar que, em última instância, o mítico apresentador preferiria salvar a própria pele a dizer algo inconveniente sobre alguém que pudesse comprometer o seu trajecto. E feita a transição para o Tonight Show, o risco seria ainda maior (mais público, mais velho, horário nobre e ainda a responsabilidade de ocupar o lugar de Leno) E não é que eu não podia estar mais enganado? Desde que eclodiu esta crise na NBC, Conan O'brien tem estado inspiradíssimo, cáustico e até um pouco cínico. Brilhante! Bravo. O 
apresentador provou, para além de qualquer dúvida razoável, que só não critica quando não o deseja, não ofende porque entende que nem George W. Bush merece ser ofendido. Mas quando os executivos da estação norte-americana fazem para o merecer, Conan é implacável. E com toda a legitimidade.
Quando escrevo este texto o "Tonight Show With Conan O'Brien" já fez a sua última emissão. Conan despediu-se com grande estilo e elevação. Recebeu nestes últimos dias algumas figuras proeminentes do "showbiz" como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Tom Hanks ou Will Ferrell (todos eles apoiantes incondicionais da causa recente do apresentador). O'Brien provou-me, nestas últimas semanas, que é o melhor "talk show host" dos Estados Unidos da América.
Podemos encontrar neste caso uma clara dicotomia que tem sido cada vez mais frequente no mundo do entretenimento e informação televisivos. A figura, o carisma, o sujeito; contra o grupo, os accionistas, o interesse comercial/político. Sabemos que Conan nunca poderia ganhar esta guerra, e que inevitavelmente teria de abdicar do seu novo programa. Mas sabemos também que hoje o espectador vive uma relação especial com o sujeito mediático e que, graças às novas redes sociais e à forma como estas se organizam, e graças à forma como os intervenientes vêm esta nova relação multiplataformas, a estrela já não "morre" enquanto o público não desejar que ela desvaneça. E muito embora Conan esteja de partida do Tonight Show, ele já fez saber pela Internet que, pelo menos num futuro próximo, não lhe faltará emprego.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Aussie Open

Tenho acompanhado através do canal de cabo Eurosport a transmissão do Open da Austrália em Ténis. Um acontecimento fabuloso e dos mais badalados do desporto mundial. Felizmente, a transmissão desportiva (alguma) muda com os tempos, e neste caso os comentadores 
recorreram ao Twitter para recolher impressões dos espectadores, factor decisivo para que a transmissão televisiva de um evento deste tipo faça sentido - sobretudo nos horários em que no nosso país passa o Open (entre a meia-noite e as 11 da manhã).Para além disso, o espectador mais atento pode ainda disfrutar do Eurosport Player, uma plataforma online que nos permite, apenas por 5€, assistir aos jogos do Open em directo e ainda às gravações de alguns jogos históricos passados neste ou noutro torneio dos denominados "Big Four" (Austrália, França, Inglaterra e Estados Unidos da América). Existe também (e também muito felizmente) um aparelho de nome "TV box", que me permite gravar todas estas delícias e mais umas tantas, para as poder ver posteriormente (mais uma vez em função da diferença horária para a Austrália, que me impede de ver a maioria dos jogos em directo).
Para já, estou estupefacto com a prestação Justine Henin. A atleta belga, depois de uma época inteira de hiato regressa e ruma à final no seu primeiro grand slam depois do "comeback"; e ainda a fantástica participação de Victoria Azarenka e Marin Cilic, dois jovens jogadores que se afirmam neste Open como talentos de GRANDE futuro na competição singular feminina e masculina, respectivamente.

A grelha e o directo

O meu ímpeto de proto-comentador desportivo toma conta em certas ocasiões. Quando explode a polémica no mundo do futebol, então aí sucede-se ensurdecedor disparar de comentários e oposições.
Como é sobejamente conhecido nos meandros da televisão, nomeadamente da informação televisiva, a transmissão em directo, ou "a urgência do directo" tomam inúmeras vezes o lugar dos programas previamente agendados, pelos quais muito boa gente aguarda (e em pleno direito, já que lhes foi garantida essa transmissão por uma grelha pré-existente) todos os dias. Ora, o directo inverte tudo isto. Correndo o risco de passar por ultra-polémico, e de ser acusado da leviandade de preterir a relevância da corrente situação política e económica nacional para um mero programa semanal de comentário desportivo, venho manifestar o meu desacordo e desagrado para com o ocorrido na passada noite de terça-feira, 26 de janeiro, noite essa em que a RtpN decidiu, ao contrário do programado - e mais uma vez refiro-me à tal "grelha" cujo principal propósito será fidelizar os telespectadores - transmitir um especial noticioso em directo. Razão? O ministro das Finanças do governo português, Teixeira dos Santos, está finalmente a preparar-se para anunciar as linhas gerais do orçamento de estado para 2010. Começo pelo talvez questionável horário do sucedido. Que o orçamento deste ano teria que passar pelo buraco da fechadura (ou seja, pela abstenção à direita), isso já esperávamos. Mas uma apresentação rasca em power point às 23:30 da noite?! Sinceramente, senhor ministro... Compreendo o embaraço de Portugal chegar ao fim do primeiro mês do primeiro ano desta nova década sem um orçamento aprovado, mas seria tão importante assim lançá-lo na Terça, mesmo que claramente fora de horas e sendo a grande maioria da informação transmitida quase irrelevante? "Procurámos enquadrar os dados do crescimento com as expectativas da UE"... ; "a principal prioridade do governo será o desemprego e o combate ao défice orçamental"... A única informação de facto relevante em todo este debacle será a revisão da dívida pública, para 9,3% do PIB. Terá provavelmente ocorrido ao ministro que as chatices e as perguntas seriam reduzidas a pouco ou nada se a apresentação se realizasse a uma hora em que de facto todos os presentes só desejavam regressar a casa para o (tão merecido) descanso. 
Regressando então à questão inicial, em que o canal noticioso RTPN transmitiria hipotéticamente, das 22.30 às 00.00 desta Terça-feira o programa de comentário desportivo Trio de Ataque. De facto, o que ao invés sucedeu foi um especial de informação que durou mais de uma hora, com o único intuito de encher chouriços até que o ministro falasse. Os comentadores do costume, os comentários de sempre - "menos estado" "despesismo" etc etc... - já estamos fartos de saber. E de tudo o que o ministro disse, das 23.30 à meia noite - tempo que durou a sua apresentaçãozinha - reti de útil o valor revisto do PIB, que poderia ter sido facilmente comentado e escalpelizado no jornal da meia-noite da mesma RTPN, meio precisamente indicado para a actualização noticiosa e no qual o directo faria todo o sentido. Em vez disso, tivemos um "especial informação" (que não sei bem o que teve de especial nem sequer de que insidiosa novidade me terá informado) durante a duração virtual do programa desportivo. 
Toda esta conjugação de acontecimentos leva-me à simples conclusão que a estação pública de televisão trata a informação como entretenimento, que degrada a importância de uma grelha para a imposição de um directo que de si é muitas vezes empobrecedor (normalmente o directo é uma combinação de pedaços em que um jornalista "in loco" procura descrever a situação corrente, não passando de uma série de gags, soudbytes e observações situacionistas e irrelevantes - lembremo-nos dos directos nas noites eleitorais antes de se saberem os resultados sufragados). Embora a política tenha uma relevância social ainda maior que a do desporto (e estou a pesar devidamente as palavras), um programa de hora e meia agendado para discutir o grave clima de suspeita e de "jihad" que se vive no futebol português é util e de grande interesse. Programa este ainda protagonizado por algumas figuras muito importantes no universo clubístico e até com alguma influência nas respectivas direcções (talvez à excepção de António-Pedro Vasconcelos, uma figura um pouco mais marginal ao regime de LF Vieira), que será porventura mais útil que uma emissão com os mesmos noventa minutos, na qual ao fim de oitenta e poucos, há um senhor que afirma "afinal vamos rever o valor do défice em alta para 9,3%".
Com o seu magnífico anúncio, o ministro das finanças português conseguiu mais uma vez captar
a atenção mediática dos "pack journalists", fazendo uma apresentação noctívaga e madrugadora do seu orçamento para um ano que já começou. E mais uma vez este governo prova-se como "media savy", sabendo melhor que ninguém criar uma notícia - que à falta de melhor conteúdo,
acaba por ser justificada num especial informativo de uma hora que precedeu o pseudo-acontecimento.