Uma coisa será questionar os vencedores, manifestação mais que legítima em função dos gostos cinéfilos de cada qual, outra é presumir que o júri não decidirá conforme aqueles que julgam ser, para eles, os melhores. Aliás, as duas derradeiras cerimónias evidenciam uma corrente de pensamento focalizada na qualidade do filme, preterindo o fenómeno “estrondo” de bilheteira. É verdade que muitas vezes os Óscares não conseguem escapar às ditas “vagas de fundo”, que por uma ou outra razão surgem em certas categorias, em certos anos relativamente a certos filmes. Como em tudo, estes movimentos de opinião também têm as suas vantagens: o Óscar de Melhor Actor deste ano foi entregue a um artista cujo talento é reconhecido universalmente há praticamente quarenta anos, embora nunca tivesse sido devidamente apreciado pela academia. Para mais, este actor é um autêntico filho do Showbiz. Ele é Jeff Bridges. Provavelmente, se não tivesse surgido este ano o movimento a favor de “Crazy Heart” que, perdoem-me os fãs, é uma obra menor ao pé de tudo o que este actor já alcançou, J.B. nunca mais teria hipótese de vencer um Óscar não-honorário. E Bridges já foi injustiçado pelo menos três vezes no passado: por The Last Picture Show (1971 P. Bogdanovitch); The Fisher King (1991 T. Gilliam) e The Big Lebowski (1998 J. e E. Coen).
É por demais evidente que os Óscares já cometeram muitas injustiças, e continuarão certamente a cometê-las no futuro. Para citar apenas dois nomes, Stanley Kubrick e Orson Welles, nenhum destes verdadeiros génios conquistou uma estatueta. Porém, o seu nome como artistas e lendas incontornáveis da centenária história do cinema permanece na memória colectiva de quem o ama. A crítica e o público asseguram que assim seja. Mas não será um verdadeiro tributo a esta arte que um filme que, embora brilhantemente realizado, concebido e escrito como The Hurt Locker, que passou ao lado do público, da maioria da crítica e das redes de distribuição, seja reconhecido com seis prémios da Academia? Não nos devemos congratular por, mesmo apesar de Avatar ter recolhido todas as vagas de fundo e mais alguma o filme de Katheryn Bigelow ter sido reconhecido como o excelente filme que é?
Estes prémios, como quaisquer outros, são essencialmente uma escolha subjectiva. Poderia neste texto discorrer, por exemplo, sobre os inúmeros méritos de Quentin Tarantino, a sua minúcia e originalidade na forma como escolhe estórias e as apresenta ao espectador, e a grande injustiça que foi não ter visto, mais uma vez, o seu mérito reconhecido pela Academia de Hollywood. Poderia também afirmar que os talentos de Jason Reitman como realizador de Up In The Air lhe deveriam ter rendido umas quantas estatuetas, e tudo isto seria verdade. Mas não reconhecer um tributo aos Óscares que, uma vez por ano, conseguem congregar a comunidade cinéfila em todo o mundo, pô-la a discutir e a analisar tantos filmes de méritos tão distintos, a pensar as questões que se prendem com o futuro do cinema e da sua comercialidade em função da qualidade; relançar projectos e artistas de grande valor que pareciam já esquecidos, fazer as pessoas voltar às salas e redescobrir a beleza de um bom filme; não reconhecer este fenómeno seria a maior injustiça de todas.