quinta-feira, 6 de dezembro de 2007

Neo-Surrealismo musical (ou o sonho do Rap)

O período consagrado entre as décadas finais do século XX e o presente dia terá sido, porventura, o que mais admirou teórica e existencialmente os trâmites morais e paradigma estético das revoluções artísticas principiadas cerca de cem anos antes. Os quadros de artistas como Picasso ou Van Gogh tornaram-se os mais apreciados em valor e estima de muitos coleccionistas, enquanto o legado de filosófico de Freud, Nietzsche ou Dali é sobreposto ao mapa humano actual. Numa sociedade que aceita tão facilmente dependências e vício como compromete tais actos a alheada responsabilidade (não alheia). Talvez um alienígena que viva dentro de nós, um monstro de instintos e impulsos devidamente armazenados e compactados à espera de ser revelado. E este ser poderá, eventualmente, encontrar algumas respostas consultando o seu próprio historial, o desorganizado diário mantido pelo nosso cérebro.

Em plena harmonização das diferentes artes e associação de alguns dos seus trajectos, surge um movimento musical inspirado no ritmo da própria poesia autobiográfica: o Rap. Nos seus primeiros anos de vida, terá sustentado bases nos ritmos africanos e pendor electronizado que a indústria e o meio criativo musical herdam dos transformadores anos 80. Pouco tempo mais tarde, tal como sucedera na longínqua história do Jazz, o Rap expande-se para todos os estilos musicais alcançáveis: Blues, Soul, Jazz, Funk, Clássica e até Rock. Actualmente, e após duas décadas de constantes revoluções e promiscuidades sonoras, o Rap colocou-se numa posição artística única. Dispõe de uma infinitude de escolhas, podendo incluir qualquer som ou ruído captado por um manhoso gravador que esteja presente no momento e lugar oportunos. Uma espécie de mental notes. Assim se libertam os seus criadores de eventuais restrições no que toca a meios de representar o corrente estado de espírito, e assim o fazem com assustadora perfeição. Sampling, Internet, ritmo e poesia garantem uma independência linguística e comunicacional sem barreiras, num processo surrealista de religação à alma. São captados suspiros, ecos, memórias e clarões, enfim, entranhas. A mescla traz o passado, e invoca o reprimido. A essência é chamada ao palco e abandona por momentos a lembrança que, a partir de algum momento cuja data e circunstâncias desconhecemos, escolhemos fazer de conta que o monstro não precisa de sair à rua de vez em quando.

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