sexta-feira, 26 de fevereiro de 2010

Recordações da Casa Amarela

Passei recentemente algum tempo a re-explorar e relembrar Yellow House, segundo longa duração dos Grizzly Bear datada de 2006, prelúdio de Veckatimest. No seu ano de lançamento, este grupo ficou conhecido para a maioria dos melómanos como "os tipos que pegaram no Owner of a Lonely Heart dos Yes, e fizeram daquilo uma canção decente". Mas havia muito mais a explorar na casa amarela, sendo este um daqueles registos que nos vai enchendo o coração pouco a pouco de cada vez que o ouvimos.

Não se vislumbra completamente o grande salto melódico dado no álbum posterior, embora possamos já descortinar um grande talento para a composição e arranjos. Sobressai também a inventividade de cada trilho escolhido e a busca obsessiva da perfeição na melodia. Voltando aos arranjos, sempre muito inscritos nas raízes da música tradicional americana, temos cordas de toda a espécie (sobretudo banjos; violinos; a guitarra eléctrica, que desempenha papel principal; etc..), sopros (flauta), devaneios psicadélicos quando menos os esperamos e coros angelicais arrancados da memória musical destes rapazes. Alguns temas oscilam entre a mais serena canção folk à apoteose do rock sinfónico. É por isso fácil descortinar porque surge a merecida homenagem e consequente identificação com os supramencionados Yes; entre outras referências mais ou menos evidentes.

No cômputo geral, Yellow House fica-nos na memória como um excelente disco, sobejamente variado, inventivo e completo. Como em muitas bandas que estão em fase inicial da carreira (YH foi apenas o segundo LP da banda), conseguimos palpar em cada som, ou ritmo, o desejo aberto de abraçar todos os géneros e lugares da música moderna, o que garante ao ouvinte redescobri-los em cada nova audição. O curioso registo cria uma sensação metamórfica, embora sejam os tempos e as sonoridades que mudam enquanto Yellow House permanece actual aos nossos ouvidos. Um método de descoberta sónica que em certos maneirismos bem podia pertencer ao longínquo ano de 1968. Observando Yellow House sob as luzes espectrais de Veckatimest, este funciona como um excelente "lado B" (sem qualquer sentido pejorativo no uso do termo), e até como exercício antológico, provando que eram já nesta fase megalómanos muito generosos. Isto transmite ainda mais esperança e expectativa relativamente ao que aí vem.

O que esperam os fãs de Grizzly Bear é, sobretudo, que o colectivo continue a ser o que demonstrou ser neste álbum: embora excelentes compositores, cantores, génios criadores ou perfeccionistas românticos são, antes de tudo mais, amantes da música.

sexta-feira, 12 de fevereiro de 2010

Benfiquismos...

Ultimamente, algumas ocorrências têm incomodado profundamente o âmago do futebol em Portugal. E faço já a minha declaração de interesse para evitar equívocos: sou benfiquista. 

A forma como o SL Benfica tem sido desqualificado por tantos opinion-makers (um pouco como na política, são cada vez mais soundbyte-makers) em função dos seus jogos de bastidores - quando na verdade o futebol exibido pela sua equipa é esplendoroso, e seguramente o melhor em muitos anos - é no mínimo curiosa.

Não deixa de ser irónico que o primeiro a apontar o dedo seja o FC Porto, que tem tentado (e conseguido) dominar os órgãos decisores do futebol profissional nos últimos 30 anos. Segue-se o Sporting CP, que bem sabemos não exercer pressões fora do campo por nunca ter adquirido suficiente poder de influência para esse efeito. Não venham agora com a fábula moralista do clube que não se mete em confusões de disputa do poder porque é puro no espírito, incorruptível e coitadinho. Sabemos bem que muitos sportinguistas não se importariam de relegar o Benfica à segunda divisão por decreto, tal é o seu ódio pelo rival lisboeta. Finalmente, resta da tríade de acusadores impolutos o Sporting de Braga que, ainda assim, terá alguma razão de queixa. Mas não significa isto que se deva queixar constantemente. Podemos facilmente constatar pela posição do Braga no campeonato que não têm sido tão prejudicados como afirmam. Quando, na primeira metade da competição, gozou do estatuto "revelação", e foi por isso mais que favorecido pelas arbitragens, o Braga falou muito pouco. Considero inequivocamente exagerado o castigo a Vandinho (3 meses de suspensão).
Mas serei eu o único a entender que uma agressão (ou tentativa de) fora das 4 linhas é sempre mais grave que uma ocorrência semelhante mas durante a partida? Que um jogador perca a cabeça em campo, quando está no pico da adrenalina e ebulição na disputa do jogo, é normal (embora deva ser sancionado). Agora fora do campo, já terminado o jogo, não tem desculpa. É claro que em função disso já outros jogadores ou dirigentes do Benfica poderiam ou deveriam ter sido castigados pelas ocorrências testemunhadas nos túneis.

Vamos então aos túneis: podemos discutir o papel dos stewards, ou a sua injustificada presença nestes túneis de acesso ao relvado. Podemos até afirmar que é intencional a estratégia do Benfica para condicionar ou provocar os atletas do Porto, no intuito que estes se sintam mais nervosos e que consequentemente produzam menos em campo. Daí a inferir que tudo terá sido pré-planeado de forma a armar uma cilada, com o objectivo de fazer com que alguns jogadores do FCP não voltassem a jogar esta época, isso parece-me francamente rebuscado. Até porque esta suposta conspiração implicaria um contacto prévio com a Liga de Futebol Profissional - cujo presidente é, recordo, Hermínio Loureiro - para se entenderem quanto à possibilidade destas situações de confronto físico entre jogadores e Stewards resultarem em castigos para os jogadores do Porto. Não iria o Benfica correr o risco de planear antecipadamente uma situação destas, para que depois não se imputasse qualquer responsabilidade sob os atletas seus adversários. Mas esta, por mais disparatada que seja, é uma acusação gravíssima. Se há castigos relativos aos túneis que não foram devidamente aplicados ao Benfica, eles não se devem a um "jeito" ou "favor", mas à incapacidade da Liga de Clubes em mediar todo este conflito, ficando-se pelas punições aos atletas transgressores (bem aplicadas) e ignorando a importância de uma "estratégia do túnel". Isto não poderá nunca ser imputado aos responsáveis do SL Benfica ou aos seus funcionários. 

O que transparece de tudo isto é que a Liga de Futebol tem este ano efectivamente favorecido mais o Benfica. Sim, isto é para mim inegável. Porque tem os melhores craques? É uma possibilidade. Porque o seu futebol é um dos mais esplendorosos que se joga actualmente na Europa? Talvez. Porque exerce a sua influência na Liga como Porto, Sporting e Braga tentam fazer (obviamente em proporções diferentes)? Provável. Será isso tão diferente assim de uma direcção da Liga composta maioritariamente por sócios do FCP durante anos a fio? Não me parece. É certamente diferente do presidente de um clube que discute "fruta" ao telefone com um dos antecessores de Vitor Pereira na presidência da comissão de arbitragem. 

É razoável para mim a percepção pública generalizada que Luís Filipe Vieira não está acima de qualquer suspeita, e que não será certamente o indivíduo mais "limpo" a atravessar a história do futebol profissional neste país. Muito pelo contrário. Mas o sr. Presidente 

Vieira é o que sempre foi, tal como o Sr. Presidente Pinto da Costa o é também. Se querem acusar o benfica de um conspiração com a Liga de Clubes, e de um arranjo premeditado para oferecer este campeonato ao Benfica, arranjem provas. Para que depois possamos (quiçá) ser ilibados por falta das mesmas. Se preferem acusar a Liga de ser "fraca" e ceder facilmente às pressões do Benfica eu questiono, que direcção passada da Liga não foi assim? 

Bem sabemos que em Portugal os clubes grandes são incontornáveis em todas as decisões importantes. Não sejamos ingénuos: os grandes europeus, como o Real Madrid, o Arsenal, o Man Utd ou o Inter movem-se da mesma forma - criam redes de influência no intuito de afectar as decisões ao mais alto grau. O comportamento e conduta que se espera de um presidente de um clube não será, certamente, mais exigente que aquele que se pede ao Primeiro-Ministro do mesmo país. E no estado em que está a nossa política, quem vai atirar a primeira pedra?

quinta-feira, 4 de fevereiro de 2010

Aussie Open: as Finais

Grande. Este é o adjectivo que ecoa entre os muitos que choram o fim de mais uma edição do Open da Austrália.
Nas finais tivemos quase tudo aquilo que esperávamos e também um extra q.b. de surpresa: a grande regressada Henin contra a eterna nº 1 Serena Williams; e embora não se tenha repetido a final de 2009 entre Federer e Nadal que todos esperavam, houve um grande Federer - Murray que aqueceu os ânimos na Rod Laver Arena durante cerca de duas horas e 45 minutos, combate este discutido em três sets.
Williams sagrou-se campeã deste torneio pela quinta vez (parciais 6-4; 3-6 e 6-2), e Henin deixou um aviso para um futuro breve (nomeadamente o futuro da terra batida). Já Federer conquistou o quarto título na Austrália (6-3; 6-4;7-6 com tiebreak 13-11). Assistiu-se, em ambas as finais, a um grande ténis de todos os participantes e mesmo no duelo Murray-Federer, cujo resultado indica uma victória inquestionável, pudemos assistir a alguns momentos de ténis lendário, tanto por Roger como também da parte do jovem jogador escocês.
Parabéns Melbourne! Este Open regressou definitivamente ao sucesso comercial e desportivo de outros tempos.

fall be kind

Este é o nome do novo EP, marca Animal Collective. Cinco músicas de pura experimentação... pop.
Ao mesmo tempo que a banda de Avey Tare e Panda Bear procura revisitar o baú sonoro dos seus primeiros discos, como "Spirit..." ou "Sung Tongs", vislumbra-se uma evolução progressiva para a Pop nos seus mais recentes registos. Quando anunciaram ao mundo "Feels", a afirmação foi clara: "Estamos cá para ficar. E daqui a uns anos vemo-nos nos "tops"". Será esse muito provavelmente o próximo passo dos AC. Não num sentido fútil, de busca da fama e sucesso à custa da simplificação do processo de criação que neste caso é místico, complexo e delicadamente minucioso (leia-se "layered"). Esta banda é marcada simultaneamente pelas experiências musicais dos anos 60 e 70 - música criada sem barreiras ao espírito, em laivos de experimentalismo alimentado a químicos, pelos trilhos dos Blues, do Rock and Roll, Folk, Rythm and Blues/Soul... - e pelos míticos anos 80 e a plena cristalização da pop enquanto fenómeno e "receita".
Os AC têm, no fundo, o melhor dos dois mundos. Perdão, de todos os mundos. Este EP é um exemplo do que estes rapazes são capazes de fazer com um punhado de excelentes canções (que tanto podiam ter 3 minutos como 10) levadas até ao limite do sonho, da fantasia, sempre de mãos dadas à pop, em referências mais ou menos óbvias. Fall be Kind sucede a um disco de grande responsabilidade. Aquele onde os AC deram o salto: Merriweather Post Pavillion. E talvez por essa mesma responsabilidade acrescida, o formato intermédio EP tenha surgido como uma boa solução. Uma transição para algo ainda maior.
É uma tentativa bem sucedida de testar os limites da Pop perante a multitude de sons e instrumentos com que este colectivo trabalha. Não me refiro aqui aos outros elementos de referência e história musical da banda norte-americana, como as tendências psicadélicas ou o folk, porque entendo não serem essa a principal razão do brilho invulgar dos Animal Collective. É verdadeiramente a forma como tornam uma simples melodia (ex. What Would I Want? Sky) facilmente conversível em sucesso comercial instantâneo (se eles assim o desejassem), num despertar de seis minutos para o que é o todo da música contemporânea, o universo de referências que nos envolve e não desaparece facilmente. Dos Beach Boys a Human League, dos Beatles aos PetShop Boys, Aphex Twin, ou DJ Shadow.
Esta música (e a boa música no geral) é criada com memória e com o olhar no amanhã. E o que fazem hoje os AC fará definitivamente parte do amanhã da música em geral.