segunda-feira, 8 de março de 2010

Oscars 2010

Tradicionalismos, politiquices ou vagas de fundo à parte, a beleza dos Óscares personifica-se justamente naquela indignação quase política que sentimos quando não são galardoados ou nomeados os filmes que consideraríamos como sendo “os melhores”. O queixume público é constante e surge quer antes, como durante ou depois da cerimónia. Temos sempre aqueles que retoricamente procuram desvalorizar o evento, relegando a sua importância a um mero rito fúnebre dos maneirismos ultrapassados de Hollywood, ou que insistem que os Óscares se devem abrir mais ao mundo, ao cinema independente, etc... Tudo isto pode até ser bem verdade, mas não podemos deixar de pensar que se esta festa (que é precisamente uma celebração da escola mainstream norte-americana – The Hurt Locker, tal como Milk são filmes de produção mainstream, embora as suas temáticas não o sejam tanto assim) é tão julgada, criticada e observada, ela acaba por redundar inevitavelmente no evento celebratório cinematográfico mais relevante no mundo.
Uma coisa será questionar os vencedores, manifestação mais que legítima em função dos gostos cinéfilos de cada qual, outra é presumir que o júri não decidirá conforme aqueles que julgam ser, para eles, os melhores. Aliás, as duas derradeiras cerimónias evidenciam uma corrente de pensamento focalizada na qualidade do filme, preterindo o fenómeno “estrondo” de bilheteira. É verdade que muitas vezes os Óscares não conseguem escapar às ditas “vagas de fundo”, que por uma ou outra razão surgem em certas categorias, em certos anos relativamente a certos filmes. Como em tudo, estes movimentos de opinião também têm as suas vantagens: o Óscar de Melhor Actor deste ano foi entregue a um artista cujo talento é reconhecido universalmente há praticamente quarenta anos, embora nunca tivesse sido devidamente apreciado pela academia. Para mais, este actor é um autêntico filho do Showbiz. Ele é Jeff Bridges. Provavelmente, se não tivesse surgido este ano o movimento a favor de “Crazy Heart” que, perdoem-me os fãs, é uma obra menor ao pé de tudo o que este actor já alcançou, J.B. nunca mais teria hipótese de vencer um Óscar não-honorário. E Bridges já foi injustiçado pelo menos três vezes no passado: por The Last Picture Show (1971 P. Bogdanovitch); The Fisher King (1991 T. Gilliam) e The Big Lebowski (1998 J. e E. Coen).
É por demais evidente que os Óscares já cometeram muitas injustiças, e continuarão certamente a cometê-las no futuro. Para citar apenas dois nomes, Stanley Kubrick e Orson Welles, nenhum destes verdadeiros génios conquistou uma estatueta. Porém, o seu nome como artistas e lendas incontornáveis da centenária história do cinema permanece na memória colectiva de quem o ama. A crítica e o público asseguram que assim seja. Mas não será um verdadeiro tributo a esta arte que um filme que, embora brilhantemente realizado, concebido e escrito como The Hurt Locker, que passou ao lado do público, da maioria da crítica e das redes de distribuição, seja reconhecido com seis prémios da Academia? Não nos devemos congratular por, mesmo apesar de Avatar ter recolhido todas as vagas de fundo e mais alguma o filme de Katheryn Bigelow ter sido reconhecido como o excelente filme que é?
Estes prémios, como quaisquer outros, são essencialmente uma escolha subjectiva. Poderia neste texto discorrer, por exemplo, sobre os inúmeros méritos de Quentin Tarantino, a sua minúcia e originalidade na forma como escolhe estórias e as apresenta ao espectador, e a grande injustiça que foi não ter visto, mais uma vez, o seu mérito reconhecido pela Academia de Hollywood. Poderia também afirmar que os talentos de Jason Reitman como realizador de Up In The Air lhe deveriam ter rendido umas quantas estatuetas, e tudo isto seria verdade. Mas não reconhecer um tributo aos Óscares que, uma vez por ano, conseguem congregar a comunidade cinéfila em todo o mundo, pô-la a discutir e a analisar tantos filmes de méritos tão distintos, a pensar as questões que se prendem com o futuro do cinema e da sua comercialidade em função da qualidade; relançar projectos e artistas de grande valor que pareciam já esquecidos, fazer as pessoas voltar às salas e redescobrir a beleza de um bom filme; não reconhecer este fenómeno seria a maior injustiça de todas.

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