domingo, 31 de janeiro de 2010

Conan, Conan

O imbróglio que tem envolvido os vários Talk-Shows da NBC não tem passado despercebido à maioria das pessoas. Pois a mim muito menos. Leno saiu do Tonight Show, Conan veio para Los Angeles, Fallon tomou conta em Nova Iorque. NBC não gostou do programa novo de Leno; Leno quer voltar ao Tonight Show; NBC põe Conan entre a espada e a parede e pretende empurrar o histórico formato - inicialmente pensado para Johnny Carson há mais de 40 anos - para um horário excessivamente tardio. Conan recusa e, como tal, começam os verdadeiros problemas para a estação... Algumas semanas mais tarde, O'Brien está de malas feitas e vai deixar a NBC. E é a partir desse momento que se fazem algumas das melhores edições de todos os tempos do Tonight Show.
Sempre fui fã de Conan O'Brien. A sua irreverência, inteligência e acutilância. Mas sempre o achei também um narcisista obcecado com o culto da sua própria imagem (e continuo a achá-lo). Sempre entendi faltar-lhe algum veneno; as críticas pareciam demasiado veladas, o risco da ofensa desempenha um papel fundamental no interdito deste comediante. A importância de
agradar a um público maioritariamente conservador, "borderline" reaccionário, de valores cristãos e, mais importante ainda, americano. Conan nunca deixou de se preocupar quem ofendia e de que forma o fazia. Este aspecto sempre me fez pensar que, em última instância, o mítico apresentador preferiria salvar a própria pele a dizer algo inconveniente sobre alguém que pudesse comprometer o seu trajecto. E feita a transição para o Tonight Show, o risco seria ainda maior (mais público, mais velho, horário nobre e ainda a responsabilidade de ocupar o lugar de Leno) E não é que eu não podia estar mais enganado? Desde que eclodiu esta crise na NBC, Conan O'brien tem estado inspiradíssimo, cáustico e até um pouco cínico. Brilhante! Bravo. O 
apresentador provou, para além de qualquer dúvida razoável, que só não critica quando não o deseja, não ofende porque entende que nem George W. Bush merece ser ofendido. Mas quando os executivos da estação norte-americana fazem para o merecer, Conan é implacável. E com toda a legitimidade.
Quando escrevo este texto o "Tonight Show With Conan O'Brien" já fez a sua última emissão. Conan despediu-se com grande estilo e elevação. Recebeu nestes últimos dias algumas figuras proeminentes do "showbiz" como Martin Scorsese, Quentin Tarantino, Tom Hanks ou Will Ferrell (todos eles apoiantes incondicionais da causa recente do apresentador). O'Brien provou-me, nestas últimas semanas, que é o melhor "talk show host" dos Estados Unidos da América.
Podemos encontrar neste caso uma clara dicotomia que tem sido cada vez mais frequente no mundo do entretenimento e informação televisivos. A figura, o carisma, o sujeito; contra o grupo, os accionistas, o interesse comercial/político. Sabemos que Conan nunca poderia ganhar esta guerra, e que inevitavelmente teria de abdicar do seu novo programa. Mas sabemos também que hoje o espectador vive uma relação especial com o sujeito mediático e que, graças às novas redes sociais e à forma como estas se organizam, e graças à forma como os intervenientes vêm esta nova relação multiplataformas, a estrela já não "morre" enquanto o público não desejar que ela desvaneça. E muito embora Conan esteja de partida do Tonight Show, ele já fez saber pela Internet que, pelo menos num futuro próximo, não lhe faltará emprego.

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