segunda-feira, 3 de setembro de 2007

Some Loud Thunder

O que seria do Verão sem os Talking Heads? Provavelmente, um Verão animado - ao som de Stan Getz, Bob Marley, Kanye West, Joni Mitchell e Neil Young. Mas eu nasci há 22 anos, e mesmo então, já poucos ignoravam a banda de David Byrne e a sua agitação estival. Hoje em dia, é impossível percorrer a costa alentejana sem o burburido das congas em "(Nothing But) Flowers", as gélidas praias minhotas na ausência de "And She Was", ou o longo e sobre-populado mar algarvio sem "Once In A Lifetime", gritando-nos ao ouvido: "Same as it ever was"...
A verdade é que ao longo dos anos, esta banda fez-me adoptar uma certa idealização do verão, assente em longos fins de tarde à beira-mar e muita, muita estrada. Não esqueço, claro, a essencial companhia dos amigos, que torna cada canção numa alegre cantoria ou uma pertinente (?) discussão acerca das ambições vocais de Byrne. E é precisamente este o ponto de partida para os Clap Your Hands Say Yeah!
Vocalista de voz exuberante, aparentemente desafinada e por vezes descontextualizada, Alec Ounsworth lidera a lista de ambiguidades no meio alternativo. Forte lírico, insiste no desgaste comunicacional entre pessoas, a desilusão da vida urbana ou, porque nunca se foge a este tema, a ressaca amorosa. Este é, provavelmente, um dos menos consensuais cantores dos últimos anos, criando uma pequena legião de admiradores inabaláveis, por um lado, e ao mesmo tempo um grupo diverso de críticos impiedosos que desvalorizam os dotes vocais de Ounsworth, remetendo o seu futuro para o desaparecimento.
Na comunidade musical dos nossos tempos, nenhuma banda com uma base de fãs semelhante à dos CYHSY (salvo raras excepções) consegue ultrapassar as labels independentes, e restringe-se por isso a um mercado mais específico, mais centrado nos concertos, e nas pequenas comunidades de fãs que vão surgindo pelo mundo cibernético. Aqui, a meu ver, reside a salvaguarda a esse desaparecimento tão insistentemente anunciado pelos detractores de Alec Ounsworth.
Em 2005, os Clap Your Hands Say Yeah lançaram o seu primeiro LP, homónimo. Melhor estreia ninguém podia esperar. E de todas as vagas influências que podemos encontrar neste disco (e são, de facto, muitas), talvez uma das mais discretas - presente sobretudo na voz de Ounsworth - provocava-me especial inquietação: David Byrne e os seus Talking Heads vagueavam por algumas das canções.
Já no actual ano, o segundo disco dos CYHSY é lançado, desta feita com o título da primeira faixa a servir de mote para as restantes. "Some Loud Thunder" não é, certamente, um álbum com a genialidade e grandiosidade do trabalho anterior, mas não deixa de ser um invulgar incentivo para que continuemos à espera do que estes rapazes de Nova Iorque têm para nos sussurrar. Ou gritar.
Um relâmpago não atinge duas vezes o mesmo local. O mesmo podemos deduzir da canção "Some Loud Thunder". A grandiloquência desta música reside precisamente na sua simplicidade, mas intensidade com que nos descreve o frenesim esquizofrénico de Ounsworth, enquanto as guitarras uivam, e os ecos subaquáticos nos transportam para outro espaço, aquele entre o trovão e o seu choque com a terra, com o Homem, connosco. E aí nos deitamos e aceitamos recebê-lo, convictos que o barulho que fazemos será ouvido por alguém.
Hoje, que já não me lembro do que era o Verão sem "Some Loud Thunder", e que não prescindo de passar algumas horas a contemplar o mar numa base diária, lembro-me de todos os sítios por onde passei, de muitas das pessoas que conheci, e imagino todos eles como variações de um embate entre um qualquer estridente relâmpago e um qualquer ser humano, pronto para ouvir, ansioso para sentir.

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